segunda-feira, 28 de maio de 2012

1984

Autor: George Orwell

Editora Companhia das Letras, 2009. 416 páginas.


Quando li num texto na internet que dizia que "uma pessoa que não conhece o trabalho de George Orwell não pode dizer que gosta de literatura", tratei logo de corrigir o erro, do qual me envergonhei internamente, e comprei a obra que todos consideram máxima do autor: 1984.

É impossível falar do livro sem citar o contexto no qual foi escrito. Foi publicado no ano de 1949, em pleno fim da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo entrava numa Guerra Fria que duraria muitos anos e começava a se dividir em duas partes: Capitalista e Socialista. Orwell criou o que se costuma chamar na literatura de utopia, mas ao contrário das utopias comuns que apresentam uma perspectiva e previsão geralmente positivas do futuro, Orwell apresenta uma visão extremamente negativa, na qual ele apresenta sua versão baseada na interpretação da realidade na qual ele estava inserido. Ele também não deixa de mostrar sua visão pessimista da humanidade. Essa forma de utopia negativa é conhecida também por distopia. Essa negatividade é interessante e tem uma importância enorme para abrir os olhos do leitor para aquilo que poderia acontecer ou já estava acontecendo com o governo e a sociedade se nada fosse feito pelos cidadãos, e que também se mostra tão atual nos dias de hoje; principalmente com a existência de inúmeros reality shows na tv aberta e fechada que tomam a forma e ideologia que Orwell descreve (soando como uma espécie de “previsão” acertada) e que tem a mesma função da teletela descrita no livro, de controlar e alienar completamente os cidadãos; outro exemplo que mostra a atualidade da obra de Orwell é a presença constante de guerras no mundo atual desde a Segunda Grande Guerra, as ditaduras que se espalham e crescem ao redor do mundo,  a imprensa tendenciosa e imparcial e a arte alienada, que não se importa de informar e conscientizar as pessoas. Até mesmo o nome do reality show mais famoso no Brasil e no mundo é inspirado no livro de Orwell, o que é uma grande ironia.

Winston é o personagem principal que representa a sociedade e também cada um de nós. Vive sozinho num cubículo, cercado de teletelas (câmeras do governo que o vigiam dia e noite) em alguma cidade não citada da Oceânia, uma espécie de continente que também forma uma unidade política. O mundo é divido em três dessas unidades: Oceânia, Lestásia e Eurásia, que vivem em guerra entre si ou às vezes aliadas, como descobrimos mais à frente no livro. A identificação do leitor com Winston é imediata, porque apesar de ter uma narrativa ágil e interessante, o livro não contem muitos acontecimentos em si. A desenrolar dos fatos se passa mais na mente de Winston do que no mundo externo. Sua inquietação e insatisfação com o sistema totalitário imposto pelo partido e pelo Grande Irmão (Big Brother) despertam em nós uma simpatia enorme, porque com nossas mentes e vidas livres de tantas cadeias como às que ele estava submetido, imagino que o desejo de liberdade de Winston é exatamente o mesmo ou ainda maior, do que o que teríamos no lugar dele. A realidade que ele conhecia era aquela, mas algo no fundo de sua mente dizia que ele não tinha nascido para viver daquela forma. A necessidade de liberdade é um dos instintos mais básicos dos seres humanos.

Tudo que ele queria era encontrar alguém com o mesmo desejo de mudança, de causar uma revolução que ele. Ele não sabia exatamente como ou por onde começar, e nem se de fato existiam outras pessoas com o mesmo pensamento que ele ou se ele estava simplesmente delirando. Quando encontra essas pessoas, Winston entra no processo de sair do campo das ideias e passa a fazer algo de concreto. A parte que ele tem acesso ao livro de uma sociedade secreta que explica o sistema de governo do Grande Irmão é simplesmente incrível. Não consegui parar de ler até o fim do livro.

Mas o mais importante do livro mesmo é como Orwell entra no âmago da relação governo/sociedade. Ele disseca e analisa exaustivamente e de todos os ângulos possíveis o poder de influência das autoridades na vida particular de cada indivíduo. Através da imprensa, da arte, da tv, propaganda e publicidade, vida pessoal, amorosa, familiar até mesmo amizades. Claro que grande parte das coisas descritas por ele na sociedade que ele imaginou não acontecem hoje em dia. Não em nosso país e não da forma como ele descreve, mas manipulação e censura da arte e imprensa é coisa que já foi vistas várias vezes ao longo da historia em qualquer governo totalitário, que objetivam, assim como na realidade alternativa de Orwell, manipular a opinião e o sentimento das pessoas. Chega a ser assustador você pensar que sua mente pode ser manipulada de forma tão inescrupulosa por terceiros para interesses próprios. Na maioria dos casos, o poder pelo poder, simplesmente. Uns dos piores frutos dessa manipulação nos dias atuais são fáceis de serem reconhecidos: nacionalismo exacerbado e terrorismo.

Minha visão de mundo mudou completamente depois da leitura de 1984. Acho que pessoas que acham que romances são alienadores e sua leitura é perda de tempo nunca leram nada ambicioso, complexo e profundo como 1984 e também, porque não, algo tão agradável de ler. É leitura obrigatória.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Trilogia "Millenium"

Terminei de ler a trilogia "Millenium". O terceiro livro "A rainha do castelo de ar" é simplesmente difícil de para de ler. A narrativa do primeiro adquire proporções épicas no segundo e terceiro livros envolvendo Lisbeth Salander e Mikael Blonkvist que acabam atingindo toda a Suécia e provando e que Lisbeth é uma grande vitima do Sistema desde criança. O julgamento no desfecho do livro é incrível. A forma de escrita de Stieg Larsson é crua e sem floreios de linguagem, mas a história não perde o ritmo em nenhum momento e nem o foco, o que eu admiro muito. Sem contar na qualidade das situações e arcos dramáticos que ele cria e na ação frenética e tensão que permeia todo o tempo. Recomendo.

Arte trapaceira: uma reflexão a partir de “Battleship – batalha dos mares”


Eu poderia fazer aqui um texto destroçando Battleship – batalha dos mares como eu fiz com Transformers – o lado oculto da Lua, mas ao invés disso, resolvi refletir um pouco sobre o Cinema norte americano e os caminhos que ele tem tomado nos últimos anos com o mais recente 3D ressuscitado por Avatar (2009) e porque não também refletir sobre as três últimas décadas, desde que os efeitos digitais (CGI) começaram a ser introduzidos no Cinema como ferramenta para criar aquilo que não poderia ser filmado da forma convencional com o ótimo O enigma da pirâmide (1985).

Desde que os Irmãos Lumière criaram em 1985 aquilo que viria a ser mais tarde o Cinema como o conhecemos como forma de Arte, não passou muito tempo para que alguém percebesse o potencial comercial da ferramenta para ele se tornar popular ao redor do mundo como forma de expressão artística e entretenimento (coisa que não vejo de forma negativa, visto que artistas precisam ser pagos pelo seu trabalho para poderem se dedicar às suas obras). Não há problema nenhum em uma arte se tornar comercial. Principalmente o Cinema precisa se pagar muito bem, visto que exige tantos recursos para sua realização (mesmo um curta metragem de três minutos pode custar milhões). Diferente da literatura, por exemplo, que só necessita de um arquivo de word em branco para acontecer.

Em qualquer forma de arte, quando um artista é desonesto e tenta simplesmente fazer um produto para ser vendido e fazer sucesso, aqueles que a consomem e que têm um mínimo de senso crítico conseguem perceber essa “trapaça” e falta de inspiração de cara. Não é incomum escutar músicas de um cantor pop que parecem ter sido feitas dentro de uma “fórmula” para o sucesso, com letras, instrumental e melodias genéricas. Não é incomum ver em salas alheias quadros que mais parecem cópias de outros, com paisagens bonitas, mas que não apresentam nada de novo, seja no traçado, nas cores, etc. E você não se surpreende quando vai à casa de outra pessoa e encontra um quadro praticamente idêntico ao visto anteriormente. Também não é raro ler livros com histórias “repetidas”, batidas, cheias de clichês, previsíveis, e com recursos narrativos que são verdadeiras bengalas do autor, na qual ele se apoia para esconder a falta de talento (vide Stephenier Meyer, Dan Brown e Nicholas Sparks). Imagino que desde que a arte existe, existe esse tipo de coisa. Mas quando vi Battleship – batalha dos mares pensei que Hollywood ultrapassou todos os limites.

Muitas vezes eu vi comédias românticas feitas com o único proposito de agradar ao público jovem e que eram um tanto vazias, mas me diverti muito (O melhor amigo da noiva, 2008 para citar uma); ou um filme de ação genérico que conseguiu capturar minha atenção e me prender na história e na ação em si (Salt, 2010). Não sou um cinéfilo chato que só assiste filmes “de arte” e despreza o Cinemão Hollywood que é feito com o propósito de arrecadar milhões. Mesmo esses longas podem conservar certa qualidade artística e ambição narrativa. Me lembro agora de Avatar (2009), já citado anteriormente no texto. A maior bilheteria da história, com orçamento estimado em torno de quinhentos milhões de dólares que, apesar de toda a publicidade que teve continua relevante. Hoje, passados quase três anos de seu lançamento, um tempo razoável para toda a poeira levantada em torno de si se assentar, o filme continua sendo importante, tanto pelo fato de ter estabelecido avanços na área dos efeitos visuais quanto em sua narrativa, porque conta uma história importante, que aborda conceitos profundos sobre a existência humana, filosofia e espiritualidade. E é um grande entretenimento!

Mas Battleship...

O filme é completamente vazio de conteúdo. Os personagens não são pessoas. São objetos usados pelo roteirista como desculpa para criar sequências de ação grandiosas com CGI na potência máxima. O roteiro é tão tolo que chega a não fazer sentido em vários momentos. Enfim, não é necessário ficar falando da mediocridade do filme. Mas tenho que reconhecer que um ponto positivo ele tem: há um plano-sequência incrível envolvendo uma fuga de um navio. Tenho que reconhecer que achei muito bom (vindo de alguém de gosta muito de planos-sequência).

Preocupa-me o futuro do chamado Cinema comercial americano. É de longe o mais consumido no mundo todo. Enquanto bombas como Battleship e Transformers (da mesma produtora) fazem bonito nas bilheterias (até dia 20 de maio Battleship só perdia para Os Vingadores), não é raro ver filmes um pouco mais alternativos e menos badalados passarem batidos, com exibição em poucas salas,  campanhas publicitárias apagadas e como consequência disso, bilheterias pouco expressivas. É com frequência que saio da sala de Cinema pensando “todo mundo deveria ver esse filme...” por ele ser importante por ou motivo ou outro, mas na maioria das vezes, esses são os que quase ninguém vai ver. Não porque eles sejam ruins ou chatos, mas porque não dispõem da arma ($$) publicitária que os Transformers/Battleships da vida têm. Eu tenho consciência de que sempre será assim: filmes mais ambiciosos artisticamente terão bilheteria menor do que os feitos para serem blockbusters. Mas será que essa diferença não pode ser um pouco diminuída?

Fico triste quando escuto alguém antes de mim na fila da bilheteria do Cinema perguntar para o atendente “qual é o filme em 3D passando?” Onde está o senso crítico dessa pessoa? Ela está disposta a consumir o que quer que seja simplesmente porque alguém disse pra ela que ver filmes em 3D é legal? E se for alguma besteira do Michael Bay ou do Rob Schneider em 3D, será que não importa o quão fútil e lixo seja, contanto que seja 3D? Quantos por cento da população pensam desse jeito? São perguntas como essas que passam pela minha cabeça nessas horas. Não sou um chato e não quero ver toda a população mundial pagando de cult só querendo ver os filmes do P. T. Anderson e Roman Polansky. Quero ver filmes bobinhos também pra me divertir, mas mesmo quando for assim, quero pelo menos não ter minha inteligência ofendida e nem ser bombardeados com conceitos ruins como machismo, patriotismo cego, xenofobia, racismo e homofobia como costuma muitas vezes acontecer com filmes medíocres. E mais do que tudo, gostaria de ver as pessoas distinguindo a diferença entre arte ruim e boa, e assistindo a TODO tipo de cinema, mas depois da sessão, discutindo com os amigos aquilo que acabaram de ver e transformando o filme em conceitos e ideias boas e aproveitáveis para suas vidas.