segunda-feira, 23 de julho de 2012

Intocáveis (Intouchables)


Intocáveis (Intouchables) – França – 2011

Direção: Olivier Nakache e Eric Toledano

Roteiro: François Cluzet, Omar Sy e Anne Le Ny

Intocáveis é uma grande prova de que o Cinema não precisa contar uma história complexa para ser ambicioso e tocante, ou muito menos precisa contar uma história simplória e vazia para entreter o público. Dois homens vindos de mundos tão diferentes se encontram em momentos críticos de suas vidas e acabam por mudar o rumo de suas histórias. Com essa premissa Olivier Nakache e Eric Toledano imprimem tanta autenticidade no seu filme que ele passa conceitos fortes, relevantes e emocionantes para o espectador que tornam a obra inesquecível.

Driss (Omar Sy) é um imigrante africano em Paris que tem ficha na polícia, é semianalfabeto, pobre, desempregado, desajustado na sua família e vive de previdência social. Philippe (François Cluzet) é um magnata milionário, crítico de arte e tetraplégico que perdeu a esposa ainda jovem e agora depende de seus empregados para fazerem tudo para ele. Entrevistando candidatos à vaga de seu assistente pessoal, Philippe conhece Driss que estava apenas interessado em pegar a assinatura de mais um empregador o dispensando para poder continuar a receber a previdência social. Philippe acha o senso de humor e personalidades de Driss interessantes e decide contratá-lo. O choque de cultura e realidades inicial é grande, mas os dois começam a desenvolver uma amizade peculiar que acaba por mudar a vida de ambos.

Apesar de tratar de temas pesados (um homem tetraplégico viúvo e um negro marginalizado pela sociedade) o filme encara tudo com leveza e bom humor. Se fosse um drama que as pessoas tivessem que sacar o lenço a cada dez minutos, não funcionaria tão bem como funciona. É hilário ver Driss achar um absurdo Philippe querer pagar 30.000 euros num quadro branco com uns borrões de tinta azul. A princípio Philippe não entende a ignorância de Driss relacionada à arte, mas depois acaba por ver do ponto de vista do amigo, quando este pinta um quadro tentando imitar este outro de 30.000 e pergunta a Philippe quanto ele pagaria. Depois, o melhor é ver Philippe tentando vender o quadro para um amigo como se fosse pintado por um artista renomado cobrando 11.000 euros com um sorriso sarcástico nos lábios.

Um ponto chave (divertido e lindo) da narrativa é a festa de aniversário de Philippe, no qual todos os seus parentes vêm para comemorar, ao som de uma orquestra de câmara em uma cerimônia formal. Philippe solicita um show particular pra ele e Driss no qual ele tenta ensinar apreciação para Driss, enquanto este faz comentários divertidos como “Bach devia usar essa para pegar garotas”. Por fim chega a vez de Driss mostrar sua música para o amigo, uma batida agitada que faz com que todos na festa dancem e se divirtam. Philippe simplesmente se deleita nesse momento.

Uma metáfora incrível no filme é a associação das dores noturnas de Philippe com o seu estado de imobilidade. É como se seu corpo sofresse pelo fato de estar paralisado e não poder proporcionar prazer de qualquer forma para o seu dono. E mal percebemos que Philippe não sente mais essas dores noturnas depois de certo tempo de convivência com Driss até que o segundo se ausenta de sua vida e as dores retornam.

Um aspecto importante da narrativa é a arte. Além de Philippe ser um crítico e entendedor, Driss passa a ver o mundo de outra forma em parte por causa da arte, ao mesmo tempo em que também Philippe passa a enxergar a própria arte diferentemente. Em certo ponto alguém diz: “sabe por que as pessoas investem em arte? Porque é a única coisa que elas de fato deixam.” Essa mudança de pensamento de Philippe é mostrada em uma sessão de ópera à que eles vão: assim que as cortinas se abrem e Driss vê um homem vestido de árvore cantando em tenor lírico, ele tem uma crise de riso que contagia o próprio Philippe, que não se importa de estar quebrando protocolos e incomodando os outros. Algo que para ele seria inaceitável tempos antes.

Ambos são homens estigmatizados pela sociedade. Um é negro, imigrante e de classe baixa, o que já é mais do que suficiente para leva-lo a sofrer pré-julgamentos. O outro é tetraplégico e solitário, o que faz com que sempre inspire a piedade dos outros. Ambos só queriam ser tratados como iguais pelo resto do mundo, sem rótulos e preconceitos. Philippe em certo momento diz para seu amigo que o repreende por ter contratado uma pessoa como Driss: “sabe por que eu gosto dele? Ele sempre se esquece de segurar o celular para eu falar. Ele esquece que eu preciso”.

A influência de um na vida do outros os tornou intocáveis pelo mundo exterior, como sugere o título. Philippe sai de um ponto na vida em que pensava “é mais difícil viver sem minha esposa do que nessa cadeira de rodas” para um momento em que começa a pensar que pode ser feliz novamente. Driss parte de uma vida sem nenhum futuro para uma situação em que se vê ajudando seu irmão adotivo mais novo.

As atuações são incríveis. Omar Sy cria um Driss espontâneo, criativo, bronco, mas ao mesmo tempo adorável, às vezes irritante, mas indispensável. François Cluzet encarna Philippe de forma muito contida e expressiva, protagonizando os momentos mais tocantes do longa. Pelo fato de estar interpretando um paraplégico, sua atuação fica muito limitada, mas tudo que precisamos saber sobre o personagem está em seus olhos.

Intocáveis tem que ser visto e revisto pelos amantes de Cinema. É simples, mas ambicioso, emocionante, porém divertido, realista e atemporal. Seres humanos são iguais em suas essências. É isso que o filme prova com brilhantismo artístico.

Nota: 10

P.S.: Existe um projeto de fazer um remake americano. Sempre acho remakes desnecessários.

Valente (Brave)


Valente (Brave) - EUA – 2012

Direção: Mark Andrews, Brenda Chapman e Steve Purcell

Roteiro: Brenda Chapman, Mark Andrews, Steve Purcell e Irene Mecchi

Com uma carreira quase impecável, os estúdios Pixar já provaram para o mundo que não é só de adaptações de histórias dos irmãos Grimm que vivem os filmes de animação. Sempre apostando em roteiros originais com personagens fora do convencional, John Lasseter e sua equipe já encantaram a todos com a trilogia Toy Story, Os incríveis, Up – altas aventuras, Ratatouille entre outros. Depois de um fraco Carros 2 (porque faze uma continuação?) esse novo Valente surge como um filme interessante, mas nada extraordinário como estamos acostumados a esperar do estúdio.

Princesa de um reino em um lugar e tempo desconhecidos para mim (imagino que seja uma Europa Medieval), Merida desde pequena mostra preferência por atividades como cavalgar, arco e flecha, entre outros tipos de desafios que envolvem a natureza e o seu físico, pouco convencionais para uma moça na sua posição de princesa e para a ambição de sua mãe, a rígida rainha Elinor, que tem planos maiores para a garota, que é formá-la para ser uma perfeita esposa e rainha para seus pretendentes. Diante de um casamente arranjado com um dos três príncipes nada interessantes para Merida (e para ninguém, eu acho), ela deseja apelar para a magia de uma misteriosa e divertida bruxa da floresta, que lhe oferece a opção de mudar a sua mãe para que esta deixe Merida fazer suas próprias escolhas. O plano não dá muito certo, transformando Elinor em um gigante urso, que passa a ser perseguido por seu pai, e as comitivas dos três reinos de seus pretendentes. Para piorar, se a situação de Merida e sua mãe não for solucionada até o por do sol do segundo dia depois do início do encanto, Elinor será um urso para sempre.

Merida é uma protagonista muito interessante. Espírito livre e vivaz, ela só ansiava por poder fazer suas próprias escolhas, o que demonstra que ela de certa forma era feminista (sem saber) e uma garota a frente de seu tempo. Só o fato de a Pixar criar um longa com uma protagonista mulher e feminista já é algo notável. Mas o triste é que o que é notável fica por aí. As possibilidades criadas pelo primeiro ato são desperdiçadas por uma história um tanto rasa e com uma resolução forçada, criada apenas para cumprir o papel.

O centro da narrativa a meu ver deveria ser o relacionamento de Merida e Elinor e os conflitos que a diferença de personalidades e de gerações entre as duas gera. E de fato o é. Mas o filme perde o foco ao longo da projeção apostando em gags de humor físico que são engraçadinhas e agradam ao público infantil que é o grande alvo do estúdio, mas as vezes soam forçadas e fora de hora. Outros dois aspectos muito desnecessários que poderiam ser retirados do filme sem nenhuma alteração são as luzes mágicas que surgem na floresta sempre que é conveniente e a subtrama envolvendo a bruxa e uma antiga lenda do passado que ressurge quase que nos minutos finais.

Elinor e Merida são mãe e filha que se amam, mas tem suas diferenças para acertar. As possibilidades de ideias para serem exploradas aí são enormes: feminismo, conflito de gerações, relacionamentos familiares, compreensão com as diferenças, tolerância, entre outros; mas o roteiro deixa tudo isso só na promessa. A densidade dramática fica por conta de poucas cenas no final no terceiro ato, e é quebrada por frases como “siga seu coração”, e outras coisas ao estilo Disney. Esse fato me deixa extremamente triste, visto que a Pixar sempre presou por passar mensagens relevantes apostando na força de suas boas histórias e de seus personagens bem desenvolvidos, sem apelar para lições de moral faladas na conclusão dos filmes.

Elogios devem ser dados à parte técnica, como sempre. O visual das “paisagens” e “locações” impressiona, assim como o figurino e aparência física dos personagens. Os rostos são extremamente expressivos e os movimentos parecem perfeitamente naturais. O único problema com o visual do filme (que foi comprovado pela opinião de outras pessoas, não só a minha) é a escuridão das cenas que se passam à noite ou no interior de algum ambiente escuro. É claro que o óculo 3D escurecem a fotografia, mas isso tem que ser levando em conta pelos realizadores. Parece um erro muito primário para mim. A trilha sonora encanta e traz o clima do tempo e do lugar. As duas ou três canções que tocam ao longo do filme passam um pouco despercebidas. Talvez seja porque eu as escutei em português, mas acho improvável. As melodias são genéricas e as letras... nem me lembro. Acho que o fato de o roteiro ter sido escrito por QUATRO pessoas e a direção ser assinada por TRÊS delas prejudicou o resultado final.

Mas nem de longe Valente é um filme que não merece ser visto. Na verdade, qualquer filme merece ser visto porque ele pode comunicar algo, por pior que seja. É a melhor animação do ano até o momento, o que não significa muito.

Nota: 7,0

P.S.: Adorei a companhia de Daniele, Vagner, Heitor, Sophia e Phillipe.

Retorno às atividades


Depois de um hiato bem grande sem postar aqui, estou voltando hoje com um texto sobre Valente. Espero que as postagens sejam mais frequentes (eu tenho essa dificuldade de manter o ritmo por conta do trabalho), porque sinto grande prazer em escrever sobre filmes/livros e ler os comentários dos leitores.
Abraços.